Arquitetura do Edifício
Envolvência natural
A Escola Superior de Educação de Setúbal foi construída a partir do natural relevo do terreno, respeitando a natureza logo na fase da sua implantação. Ela surge sem violentar o meio (1).
A estrutura em "U" do edifício define dois pátios exteriores opostos. O espaço natural é envolvido, fazendo parte da arquitectura. O pátio maior (a NE) rodeia um grande e antigo sobreiro, centralizando-o . Aqui, a natureza - simbolizada pelo sobreiro - é homenageada e venerada.
Neste pátio, a ordem racional e ritmada dos claustros, com colunas paralelas entre si, coexiste com a "ordem" espontânea da forma do sobreiro - uma presença orgânica, naturalmente torcida e rebuscada.
A apresentação do pátio das amendoeiras a SO (o mais pequeno) é oposta à anterior, na medida em que é totalmente organizada pelo Homem: há uma disposição geometrizada das amendoeiras e uma envolvência artificial do calcário.
Espaços, circulação e caminhos
A denominação dos espaços, bem como a sua função esteve condicionada ao programa delineado pelo Ministério da Educação. Siza elaborou um projecto único a partir destas premissas oficiais, aplicadas a todas as Escolas Superiores de Educação.
De acordo com o Projecto de Execução, os espaços do edìfício são constituídos por dezanove salas de aula teórico-práticas, três pequenas oficinas, uma sala de música, uma sala de informática, um laboratório, um ginásio, uma sala de drama, um anfiteatro, um centro de recursos educativos, instalações para docentes, administração, direcção e assocìação de estudantes, arquivos, lavabos, cafetaria, um armazém e a Casa do Guarda. (2)
Os espaços com áreas mais pequenas estão distribuídos ao longo da estrutura "U", anexando a esta os de maior dimensão: a Sala de Drama, o Ginásio e o Anfiteatro a N0; a Cafetaria a S; o Centro de Recursos a O. Libertá-los da "rígida" estrutura em "U", possibilitou a manipulação volumétrica destes sectores.
Há dois aspectos paradigmáticos na arquitectura da escola: a grande comunicabilidade a vários níveis e a variedade de zonas de convívio social.
A ligação entre os espaços, o seu acesso facilitado, a possibilidade de visualizar dentro e fora o edifício e em vários pontos de vista, dá ao conceito de comunicabilidade a sua expressão máxima – uma extrema permeabilidade desta construção arquitectónica.
As zonas de convívio vivem desta variedade de espaços. Desde os dois pátios, à cafetaria; o átrio, onde as pessoas convergem, cruzam-se e estabelecem pequenos diálogos, comunicam pelo óculo; espaços mais pequenos no 2º piso; as varandas, o pátio da associação de estudantes... lugares para grandes e pequenos grupos que o edifício oferece, mas não impõe. Resultado de uma reflexão sobre a dinâmica socìal de uma organização como a escola, Siza planeia-a para a diversidade de relações sociais, muitas vezes exteriores à sala de aula: "Muito do que se recebe numa escola não tem a ver com as aulas, tem a ver com o convívio, (...) um edifício deve estar preparado para não dificultar, antes favorecer essas relações complicadas. " (3)
Luz
Analisar a luminosidade da escola passa, numa primeira fase, por abordar a sua cor. Siza confessa ter uma certa dificuldade em manipular as cores (4) e este problema surgiu aquando da selecção dos materiais a utilizar.
No plano bidimensional, imagine-se este conjunto arquitectónico como se fosse uma pintura: a pedra e o betão pintado dão ao edifício cor branca. A envolvência natural preenche quase totalmente de verde o que resta deste "quadro pictórico". E é o vevmelho-carmim do túnel de entrada que dinamiza a pintura.
Noutra perspectiva, e quanto ao comportamento da luz natural no espaço arquitectónico do edifício, Álvaro Siza comenta "Não sou capaz de separar a luz dos outros materiais da arquitectura."(5) Tal como o betão, a pedra, a madeira; a luz natural também é um material usado na arquitectura.
Uma invariável deste edifício é o facto da luz solar iluminar indirectamente o seu interior. Além da significação estética inerente a este tipo de comportamento da luz no espaço arquitectónico, há uma razão técnica - o facto de Portugal e especialmente no sul ter uma luminosidade forte e agressiva.
A começar pela posição da escola, está orientada de forma a não receber directamente a luz solar: NE-SO. Desta forma, percebe-se por que razão os espaços mais expostos estão arrumados nesta direcção: os janelões/portas das salas de aula distribuídas ao longo do pátio maior (a NE) e as "paredes de vidro" do átrio e do bar (a SO).
Na casa do guarda, a porta que rasga praticamente a parede está para SE.
O corredor N0 é menos iluminado que o corredor SE - iluminado por uma série de janelas rectangulares ritmadamente distribuídas e por ordem crescente (ou decrescente, conforme o ponto de vista)
Noutras direcções, a luz é canalizada para o interior reflectindo-se nas paredes. É o caso do janelão da biblioteca virado para uma parede.
No anfiteatro uma grande janela/porta lateral ilumina a mesa de conferências, evitando a utilização de holofotes; uma clarabóia muito especial define um cubo para, mais uma vez, a luz ser reflectida antes de entrar no interior.
No ginásio a luz entra no tecto entrecortado por reentrâncias e saliências.
O átrio é novamente o espaço privilegiado, desta vez, da luminosidade natural. Além da referida parede de vidro a SO, a insólita clavabóia com forma de ovo dirige a luz para o óculo; até lá chegar vai projectando compassadamente no chão e depois na parede figuras geométricas elípticas: aqui está presente o tempo, através do movimento de um pedaço de luz. À noite o efeito é inverso: este ovo é uma mancha negra ao centro de uma laje branca iluminada artificialmente.
De uma longa parede transparente vê-se a cafetaria à esquerda e o centro de recursos à direita: um "comportamento" oposto à luz. O primeiro aberto ao exterior, leve, muito iluminado, o segundo fechado sobre si, pesado, opaco. (6)
Durante a noìte, a luz artificial domina o espaço arquitectónico; o edifício é outro, a beleza observa-se do exterior. O que de dia são planos à noite tomam Jormas volumétricas.
A ideia fundamental a reter é a de que a escola, longe de ser uma amálgama de estilos, é antes uma obra criativa, que surge a partir destes; sendo, portanto, resultante de uma reflexão sobre a História da Arquitectura, especialmente portuguesa.
O edifício traduz um ensaio sobre a complexidade da simplicidade, expressão várias vezes usada pelo autor: "(...) aprecio e procuro na arquitectura a clareza, tanto quanto não aprecio o simplismo. Simplicidade e simplismo são coisas sabidamente opostas, assim como unidade e diversidade não o são." (7)
Esta obra de arte arquitectónica, cuja análise poética é permitida, faz com que esta seja apenas uma abordagem introdutória ao universo de possíveis leituras que cada fruidor pode ter deste edifício.
Texto (Língua Portuguesa sem Acordo Ortográfico): Ana Nogueira
Notas Biliográficas
(1) Um caso interessante gue corrobora a afirmação, é o facto de na altura da instalação do estaleiro de construção civil o empreiteìro ter sido obrigado a utilizar mais do que uma grua devido à proibição expressa de Álvaro Siza em arrancar árvores.
(2) A Casa do Guarda é um pequeno edifício que alberga temporariamente professores visitantes.
(3) VIEIRA, Álvavo Siza – Comment Parvenir à la Sérénité In L'Architecture D'Aujourd'Hui. Paris.
N 278 (Dez 1991), p. 60
(4) (5) VIEIRA, Álvaro siza - idem, p. 62
(6) Sobre este aspecto - "lnquirição a um Projecto: ESES" de Madalena Cunha Matos
(7) PRÉMIO de Arquitectura nas mãos de Siza Vieira: com a Escola Superior de Educação. "Correio da Manhã" (5 Dez. 1993), p.29